sexta-feira, 24 de julho de 2020

Dão-se como cão e gato.


Quem não conhece esta expressão? É uma expressão de conflito: é porque se dão mal. Então quererá dizer que cães e gatos têm uma convivência difícil! Será assim? Uns dizem que sim, outros dizem que não… E, neste momento, entre os que lerão isto, não faltam defensores de ambos os lados: “Tenho cães e gatos há anos e dão-se todos muito bem!” / “Não os posso ter juntos pois ficava sem casa, e sem animais!”. E há uma terceira facção – a minha – que corresponde às pessoas que nem tem cão nem tem gato, e cuja discussão deste tema é mais ou menos indiferente: somos os eremitas desta sociedade. Até me sentiria mal em estar fora de moda mas como é o costume uma pessoa habitua-se… Agora até tenho um filho mas como não tenho cão devia estar calado. Nem gato. Mas aqui há gato: devia ter um amigo de quatro patas em vez dum bebé humano? É que ambos gatinham, por exemplo. E se tento dar opinião? “Mas tens cão? Tens gato? Cala-te!”. Tenho ácaros aqui em casa, e bastantes – conta? Claro que a raça dos insensíveis que não têm animais de estimação, a que pertenço, curiosamente pertencem também à raça dos que nunca abandonam animais de estimação. Mas disso ninguém fala… São pontos de vista… “Esses não são os verdadeiros amantes de animais!” – dir-me-ão, e tendo a concordar. Mas e aqueles que fecham um animal no seu apartamento? E aqueles cães que poderiam ter tido um futuro na conquista espacial canina e fazem estragos entre a cozinha e o quarto? E aqueles gatos que davam para as finanças mas simplesmente arranham sofás? E as iguanas? E os peixinhos de aquário? E os passarinhos? Falem deles! Têm tanto direito ao conflito como cães e gatos. Defendam-se, com unhas e dentes. Estamos em guerra!

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Ennio Morricone - Two Mules For Sister Sara


Até ver, toda a gente morre, o que é igualmente válido para aqueles que apelidamos de génios. E serão génios aqueles que fazem mais ou melhor do que a maioria (os que também morrem mas no anonimato…). Sendo, provavelmente, tão cinéfilo como melómano, não poderia ficar indiferente à partida de Ennio Morricone – e não fiquei; fiz aquilo que a maioria dos seus admiradores terá feito: ouvir a sua obra, ou parte dela, pois é bastante extensa.

Poucas horas após a notícia da partida deste memorável fazedor de sons de filmes memoráveis, ouvi na rádio uma breve entrevista à Dulce Pontes (uma Portuguesa que canta bem), que teve de aprender a falar Italiano para ter o prazer de trabalhar com a lenda. Um exagero duma estrela inacessível? Ou um filtro necessário para aqueles que realmente tinham vontade e o espírito de sacrifício necessário para conviverem com esta figura ímpar? Talvez aos génios tudo se deva perdoar, e para se chegar ao seu convívio tudo se deva fazer. Como sempre, sobra algo: uma vasta obra que felizmente todos podemos e devemos apreciar.

O bom (o magnífico) de ouvir Ennio Morricone é que a qualidade musical coincide com a cinematográfica. Das fantásticas composições que constituem a sua obra, aquelas de que toda gente fala por estes dias, associadas a filmes tão famosos quanto as suas bandas sonoras (The Good, the Bad and the Ugly; Cinema Paradiso; A Fistful of Dollars; Once Upon a Time in the West; Once Upon a Time in America; The Mission; por exemplo, e que adoro tanto musicalmente como “sétima-artemente”, a que juntaria alguns dos “seguintes”, e que igualmente idolatro como 1900; Il Fiore delle Mille e Una Notte; The Untouchables), não terei muito a acrescentar. Portanto, e a lista dos restantes continua a ser extensa e riquíssima, vou destacar apenas um filme – e respectiva banda sonora assinada pelo mestre – de que gostei particularmente, um western menos conhecido mas que diria merecer mais fama: Two Mules For Sister Sara, cuja banda sonora integral se pode encontrar no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=1vnQDmBUpm4).



Da parte sonora desta obra destacaria, obviamente, o tema principal, de que gosto particularmente pois, além da grande inspiração de sempre, revela uma grande inteligência (por exemplo, consegue-se ouvir uma mula a zurrar “musicalmente”), e assenta perfeitamente na história do filme, pois remete-nos para uma longa viagem cheia de peripécias, que efectivamente acontece, e é o interesse central do filme. Aliás, uma das grandes homenagens que repetidamente se fazem ao maestro é exactamente a fusão do som e imagem em “obra de arte de excelência”, chamemos-lhe assim. Infelizmente, a tradução do título para Português (“Os  Abutres Têm Fome”, como a tradução do título para Italiano), ainda que não totalmente descabida, perde todo o jogo de palavras do título original: mula como mula de carga ou como alguém que faz transporte duma mercadoria ilegal, referência às duas mulas que acompanham a Irmã Sara (Shirley MacLaine), talvez não tão religiosa quanto era suposto: a “besta de carga” e o Clint Eastwood (imediatamente antes dos seus maiores sucessos no cinema como actor). Pode-se ainda referir que as mulas são estéreis; assim como as freiras, certo!? Enfim, um título sugestivo e bem conseguido. A dupla de actores tem uma química apreciável, o humor está bastante presente, e tudo junto creio ser dos melhores filmes que vi, pelo menos naquela categoria dos “bons filmes que não têm a fama que merecem”. Ouçam, vejam, apreciem!



sábado, 31 de março de 2018

L7 came back to bitch!

Quem me conhece, sabe a importância que as L7, e outras bandas da mesma época, tiveram para mim. O regresso da banda aos palcos (2015) foi uma grande notícia, que me encontrou numa fase menos interessante da minha própria vida, mas o melhor ainda estava para vir: a nova música, que me soa às L7 que queria voltar a ouvir! E assim, com esta crítica, comentário, opinião ou o que lhe quiserem chamar, também regresso ao meu blogue!

Indo imediatamente ao cerne da questão, quem gostar de L7, quem gostar de grunge, punk, metal, música dos anos 90 ou o rótulo que vos agradar, pode e deve ouvir a nova música destas resistentes do movimento grunge (seja isso o que for): I came back to bitch (cliquem no nome da música que chegam ao youtube).


Esta música é poderosa! Obviamente que é parecida ao maior hit (?!) das L7, a Pretend We're Dead, até porque grande parte das notas são iguais, especialmente aquele riff inicial. Tendo semelhanças, contudo, coloca-a lado a lado com outras das grandes músicas da banda. O poder eléctrico está lá, a irreverência (não da juventude mas da experiência) está lá, as letras carregadas de ironia e atitude também: felizmente que ainda há quem regresse para agitar as águas porque o ar está mais estagnado que no início dos anos 90... A voz está desafinada, claro que sim, e não é que soa a algo real? A produção poderia ser melhor, claro que sim, mas não estamos todos um pouco cansado do excesso de maquilhagem dos nossos tempos!? Bem, eu definitivamente estou. Não é aborrecido observar os tempos plásticos e hipócritas que vivemos?! Felizmente que este pedaço de arte me vai dar algum oxigénio para sobreviver a esta nossa atmosfera rarefeita do início do terceiro milénio... O vídeo, que está ao alto nível da música e da história das L7, e que poderia ter sido feito há mais de 20 anos, tecnicamente falando, é o que qualquer amante da banda esperava! Perfeito! E felizmente poucos vão concordar comigo, mas também regressei para protestar!

Antes desta nova pérola, as L7 lançaram uma outra música, Dispatch from Mar-a-Lago, que não me entusiasmou tanto, musicalmente falando, embora a atitude esteja lá: Mar-a-Lago é um resort pertencente ao Presidente Donald Trump... Em 1992, no álbum "Bricks Are Heavy", produzido pelo guru Butch Vig (sim, o mesmo que produziu o Nevermind, dos Nirvana, entre outros míticos álbuns da época), facilmente considerado o melhor álbum da banda, podemos retirar estes versos deliciosos da primeira música, uma tal chamada "Wargasm": "body bags and dropping bombs / the pentagon knows how to turn us on / wargasm". E agora, 26 anos depois, não farão ainda mais sentido estas palavras, nomeadamente com as atitudes à Trump com que somos bombardeados quase diariamente?

Para acabar, e agradecendo imenso às L7, pois são parte do já bastante diminuto legado vivo do chamado grunge (onde a última grande perda se deu o ano passado com a morte do Chris Cornell), ouçam esta música, ouçam rock (que recentemente foi oficialmente ultrapassado pelo r'n'b em número de músicas, fenómeno este que daria um livro mas que não vou abordar agora), protestem o que têm a protestar, mexam-se e sejam vocês mesmos! Caminhamos, a meu ver, para tempos cada vez mais padronizados e perigosos, onde ser diferente começa a ser censurado, e todos sabemos onde isto pode chegar... Se tivermos de recrutar artistas de meia idade para recordar à juventude que deve ser irreverente, que assim seja!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Brevemente...

Entrevista à Confienergy em breve...


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

ENTREVISTA - Susana Ferreira, Xadrezista e Engenheira Civil

Susana Ferreira, é para mim um grande prazer poder contar com esta entrevista no meu blogue. Já nos conhecemos há bastantes anos mas começamos a falar mais regularmente após o Campeonato Nacional de Jovens de Xadrez, em 2003, em Aveiro. Já vivi na tua cidade, Aveiro, já entrevistei o Daniel Santinhos, que também vive lá, mas vens regularmente ao Porto; desta vez, vai o Porto ter contigo nesta entrevista. Estou a escrever um artigo sobre a falta de mulheres no xadrez e este será um dos tópicos que vamos abordar... mas não só!


HIGH ON THE MOUNTAIN:
Vamos começar com uma questão fácil. Como começaste a jogar Xadrez?

Susana Ferreira: Olá Morais! É para mim um privilégio escrever para/no teu blogue, que acompanho há tanto tempo!
Conhecemo-nos neste meio do Xadrez, por isso parece bem começar por explicar como me iniciei nesta modalidade; acaba por ser caricato! Costumava passar férias com os meus pais e com os meus irmãos. Num Verão, a casa onde estávamos não tinha televisão (a minha irmã deveria ter uns 9 anos, eu 6 e o meu irmão 5). Para nos entreter, o meu pai comprou um jogo de xadrez! E não é que passámos as férias a jogar?! Hoje em dia, dizem que as crianças não devem estar tão ligadas às “novas tecnologias” mas na altura foi como um “recurso” à televisão… Que passou a ser parte da nossa vida! Quando começou o ano lectivo, o meu irmão entrou no clube de xadrez “O Primeiro Passo”, e mais tarde eu e a minha irmã também nos juntámos ao clube. Desde então, o Xadrez não nos deixou mais em paz! :)

Campeonato Nacional Universitário, Vila Real, 2013.


HOTM:
O que mais te atrai neste jogo/arte?

SF: Pergunta difícil… Uma das principais coisas de que gosto, é de me sentar e concentrar-me no jogo, é como se entrasse noutra realidade... Encontrar soluções para o que vejo! Claro que não consigo deixar de parte a beleza que esta obra de arte envolve: ver planos, estratégias de uma boa partida de Xadrez, é maravilhoso! E o bichinho do Xadrez? Esse, que faz com que o coração bata mais forte por esta modalidade?!... Também é inspirador! Ainda por cima, o xadrez, está em todo o lado; é um padrão, é uma prisão, é um mote publicitário que dá que falar, aparece em imensos filmes/séries (desde Harry Potter a 007; passando pelo Dr. House). “Quem vence um jogo de xadrez? Quem comete o penúltimo erro”.


HOTM:
Quais os teus objectivos pessoais como Xadrezista?

SF: Já tive os objectivos xadrezísticos mais presentes na minha vida, agora já me sinto velha ehehe. Posso apenas dizer que gostava de perceber mais deste maravilhoso Jogo?! Acredito que assim, mais cedo ou mais tarde, os resultados/subidas de elo/participações internacionais simplesmente aparecem... Mas não nego que deixar de ver o dígito (1) da casa dos milhares, era sempre bom!


HOTM:
Por que há tão poucas mulheres a jogar Xadrez? E como se pode "chamar" as mulheres para o nosso desporto?

SF: Debato-me com essa questão há muito tempo... Pessoalmente e de forma sumária, vejo aqui 3 factores a considerar: as mulheres, os Xadrezistas do meio e a sociedade! Creio que mulheres que se interessam jogam; independentemente de haver prémios/campeonatos em separado (o que sinceramente ainda é algo que não consigo perceber bem...), “quem gosta, gosta sempre”. Se há menos mulheres, o nível xadrezístico (analisando unicamente o rating “ELO”) é menor; o que parece também ser natural... Mas o interesse em jogar xadrez tem que partir da mulher... Ninguém quer obrigar ninguém a nada, certo?! Questões do foro “psíquico”, não me cabe a mim opinar, mas deixo-vos 2 links com discussões sobre isso, com 2 dos maiores xadrezistas de sempre: Nigel Short (http://www.telegraph.co.uk/culture/chess/11548840/Nigel-Short-Girls-just-dont-have-the-brains-to-play-chess.html) e Judit Polgar (http://time.com/3828676/chess-judit-polgar-nigel-short-sexism/) [cliquem nos endereços que vão lá ter]. Depois, os Xadrezistas são maioritariamente homens. E como sou mulher, percebo que por vezes algumas situações possam não ser as mais confortáveis do mundo, por haver outro tipo de tratamento por parte dos homens... Isto não ajuda a que as jogadoras se sintam bem durante os treinos/torneios. Acho engraçado - e não me choca, (in)felizmente - como se vê na internet imagens de mulheres (com pouca roupa) e tabuleiros de Xadrez; partilha de fotos nas redes sociais de mulheres bonitas que jogam xadrez; listas com rácio beleza/ELO... e de homens, é mesmo difícil encontrar algo semelhante sequer! Sim sim, já fiz essa pesquisa, para contrapôr isto, mas não encontrei nada de relevante... Por fim, acho que a sociedade ainda não está como a queremos. Embora ache que isto está a ser ultrapassado ao longo dos anos, penso que ainda não é visto de igual forma que uma mulher jogue xadrez, comparativamente ao homem: que estude xadrez; que vá jogar torneios, sozinha; que dispense tempo para este desporto... Esta visão “quadrada” atrasa o desenvolvimento e a abertura que existe para a evolução na modalidade, sendo mais flagrante numa idade mais jovem. Para trazer mais mulheres, não encontro uma fórmula mágica: talvez, quando não se pensar nestas coisas/quando se agir em conformidade perante todos, “isto” avance e comecem a jogar mais mulheres. Falar em publicitar o xadrez, como resposta genérica, não se aplica só à mulher, mas sim a toda a gente...

Sobre este tema, o meu artigo no blogue do Opening Master:


HOTM:
Recentemente foi criado um dress code para Xadrezistas! Que comentário te merece este facto?

SF: Quando li, senti-me revoltada... E deixo aqui o link oficial do que estamos a falar: www.fide.com/images/stories/NEWS_2013/FIDE/Proposal_of_Ms._B._Marinello_in_respect_of_the_dress_code.pdf. Talvez tenhamos sorte e não obriguem os Xadrezistas a usar uniforme! Acredito que tenha sido uma medida mais direccionada para as mulheres... e se isto ajuda a que mais mulheres joguem xadrez? Seguramente não! Confesso que tenho sempre algum cuidado para não ir demasiado informal quando vou jogar xadrez, mas é uma questão de respeito que tenho perante a modalidade! :) Ver, no “dress code” dos Xadrezistas, problemas (e acredito que já os tenha havido) é exacerbar as questões de género; o sexismo; etc. etc. ...


HOTM:
Já te sentiste, ou sentes-te, discriminada por seres mulher e Xadrezista? Ou, por outras palavras, o Xadrez é sexista?

SF: Há campeonatos internacionais separados absolutos e femininos. Prémios nos torneios para a melhor feminina! Isto não fala por si só? Atenção que neste caso é discriminação “positiva”, que também não acho propriamente justo... Acredito que não é por aí que jogam mais/menos mulheres. Como referi acima, creio que a igualdade é o caminho. Fica aqui um link com uma pequena história de uma jogadora de xadrez e os seus problemas: http://fanoudraws.tumblr.com/post/68091072768/sorry-this-post-is-so-long-open-images-in-new.


HOTM:
Houve, há uns meses, o primeiro campeonato de Xadrez das universidades europeias. Já foste Xadrezista e universitária. Por que tantos xadrezistas deixam de jogar Xadrez ao chegar à universidade?

SF: Eu tentei sempre ir conciliando as duas coisas, mas muitas vezes não é fácil... É outra fase das nossas vidas. Deixamos de ser jovens, a motivação de ser um “sub” desaparece, tornamo-nos séniores e “pior”: adultos com outras responsabilidades (e outros interesses)... Mas habitualmente a universidade dá trabalho; para além de dar trabalho, é cansativa. Os torneios de xadrez, nomeadamente lentas, ocupam dois fins-de-semana seguidos... ou mesmo que ocupem só um; é um fim-de-semana “só para aquilo”! Muitas vezes trabalhos ou estudo/outras actividades dificultam que se prioritize o Xadrez, que é tão absorvente! Desta forma, creio que é compreensível que se abrande o ritmo durante esses anos... Contudo, nas férias pode-se jogar sem preocupações. Acrescento: trabalhando fica ainda mais difícil... Ainda me ando a habituar à mudança de vida de estudante para trabalhadora! Porque, apesar de tudo, existe outra flexibilidade enquanto estudante, em termos de horários e “semi-obrigações”. Eu senti que tinha ligeiramente mais controlo sobre o meu dia-a-dia, coisa que como trabalhadora geralmente é difícil... Em contrapartida, as férias podem ser quando quiser e podem ser marcadas consoante torneios (que dantes calhavam seeempre em épocas de exames da universidade!).

Campeonato Mundial Universitário de Xadrez, Guimarães, 2012.


HOTM:
E será que este novo torneio poderá ajudar a combater esse problema?

SF: Oh, não acredito. Sou a favor da existência de mais provas, claro, mas não é um único torneio que vai mudar isso... E, geralmente, “são quase sempre os mesmos” nesse tipo de torneios. Talvez divulgue a modalidade na universidade onde se realiza e traga mais jogadores! Também existem os torneios da FADU [Federação Académica do Desporto Universitário] e não é por isso que a situação se altera... Para colmatar este problema... Hmmm... o ideal seria regimes mais flexíveis para quem quer jogar! :)


HOTM:
Por falar em problemas, actualmente representas o GDDF (Grupo Desportivo Dias Ferreira). Não há clubes de Xadrez em Aveiro? Ou quiseste representar um clube melhor?

SF: Existem clubes de Xadrez, ligeiramente mais direcionados para jovens, mas também há adultos! Gostava de jogar por equipas e isso fez-me procurar um clube maior, em que fosse mais fácil fazê-lo. Conheço o Vitorino (diretor do Grupo Desportivo Dias Ferreira) quase desde que me lembro de entrar para o xadrez, então senti que só seria benéfico para mim, mudar de clube. Pelos meus resultados por equipa, talvez o clube não ache o mesmo ehehe.


HOTM:
O GDDF ganhou o Campeonato Nacional de Xadrez em 2013/2014 e ganhou as duas últimas edições da Taça de Portugal (2013/2014 e 2014/2015)? Eu, que sou formado no clube, senti com grande emoção estas conquistas. Vinda de "fora", e sabendo que pelo menos o Campeonato Nacional era algo inesperado, qual foi a sensação destas vitórias?

SF: Fiquei contente, claro. Mas honestamente sinto mais contentamento pelos resultados do grande jogador Jorge Ferreira [perfil na FIDE], nesses campeonatos! Actualmente, os campeonatos, apesar de se denominarem “nacionais”, por vezes pouco têm de nacional - especialmente num nível mais alto. Mas deixo este tema para futuras discussões!


HOTM:
Por falar em discussões... És sportinguista, o que confirma que ninguém é perfeito. O GDDF venceu a última Taça de Portugal ao Sporting, precisamente. Por quem torceste na final?

SF: Aahahah não é o facto de ser sportinguista que me leva no caminho da imperfeição! :) Na verdade, sou Beira-Marense desde pequenina... É o clube da minha cidade! Mas o GDDF é o meu clube de Xadrez, não poderia estar a torcer por outro; mesmo desejando todas as vitórias possíveis ao Sporting!

A segunda Taça de Portugal consecutiva do GDDF.


HOTM:
Vitorino Ferreira 1 - Bruno Carvalho 0. Vitorino Ferreira, o Presidente do GDDF, cuja entrevista neste mesmo espaço está preparadíssima há longos meses e à espera de uma resposta, é por muitos apelidado o Pinto da Costa do Xadrez. O Sporting tem um bom presidente? É bom ser um personagem interventivo e atento ou alguma moderação ser-lhe-ia benéfica?

SF: Julgo que ser apelidado de “Pinto da Costa” nunca pode ser bom! Mas sim, percebo a analogia, pois pelo menos no Norte do país, não existe ninguém tão emblemático como o Vitorino. Bem, o Bruno de Carvalho é um verdadeiro Sportinguista. Começou por conseguir fazer novas eleições; renegociou dívidas; mexeu no clube! Agora, trouxe o Jorge Jesus (ainda estou reticente)... E apesar de estar quase a ser campeão de Inverno (que é pouco indicativo, remetendo ao passado), a verdade é que devolveu alguma esperança aos Sportinguistas, muito por ser interventivo! Até eu ando a pensar fazer-me sócia “num minuto” (passo a publicidade https://socionumminuto.pt/). Na minha humilde visão, ele exagera um bocado. Querer punir sócios por escreverem mal do Sporting nas redes sociais?! Responder sempre a insultos/picardias (e por vezes bastante ressabiado!), acho demasiado... Devia conseguir conter-se para não “dizer tudo o que lhe apetece”.


HOTM:
O Sporting andou desaparecido do Xadrez nacional durante anos. Pelo menos, dos grandes palcos. Já estivemos na Direcção da AXP (Associação de Xadrez do Porto) e sentimos algumas dificuldades em encontrar as pessoas certas para as necessidades da modalidade. És de Aveiro e jogas em Matosinhos. Tudo isto reflecte algumas dificuldades que o associativismo enfrenta actualmente?

SF: Será que o associativismo não esteve sempre em dificuldades?! Começo a acreditar que também existe o “bichinho” do associativismo, que nos leva a querer fazer outras actividades/novos projectos, mais e melhor, também a pensar nos outros. Apontaste um ponto importante: encontrar as pessoas certas! Somos todos diferentes, com características distintas; não faz sentido todos executarmos as mesmas funções no associativismo. Para mim, isso é das situações mais complicado de “lidar”... Confesso que sinto falta de ter o associativismo na minha vida. Tenho que criar um clube ou organizar um torneio ou algo assim; desde já estás/estão convidados! :)


HOTM:
Obrigado. Agora, vamos reflectir sobre estes últimos 4 anos que foram marcados pela emigração de jovens, alguns deles Xadrezistas, austeridade que também afectou o associativismo, cortes na investigação e desenvolvimento tecnológico... A austeridade parece-me jogar à defesa; o investimento parece-me ganhar iniciativa após sacrificar material. Falta estratégia na política? Faltam estrategas/Xadrezistas?

SF: A austeridade jogou “bem” ofensivamente nos últimos 4 anos... Eu acho que até houve estratégia, mas não foi centrada nas/para as pessoas. Vejo a política como um conjunto de estrategas, que aparentam ter todos diferentes objectivos e cada um a puxar para seu lado. Agora... Se faltam alguns estrategas como o Magnus Carsen (melhor jogador de Xadrez de todos os tempos http://magnuscarlsen.com/) que vejam um pouco mais além e que realmente ajudem a levar isto para a frente? Talvez!


HOTM:
O Xadrez faz falta como desporto escolar?

SF: Noutros países mais evoluídos, o Xadrez escolar é obrigatório. Deveríamos caminhar nesse sentido (e não o oposto, de acabar com ele como tem acontecido...). Acredito que o desporto escolar deve auxiliar esse processo de implementação e manutenção do Xadrez escolar! Recordo-me sempre de jogar o campeonato nacional de desporto escolar, onde estavam imensas crianças com idades próximas da minha! Íamos com colegas que frequentavam a mesma escola, jogar um dia inteiro noutra escola qualquer no país! Boas memórias de dias bem passados. Concluo dizendo que não tenho dúvidas de que o Xadrez é benéfico para a formação das crianças e para o desenvolvimento de capacidades relacionadas com o cérebro.

I Torneio Imperial de Aveiro, 2014.


HOTM:
Por falar em formação, és Engenheira Civil. Estás em Portugal. Exerces na área. Como está a Engenharia Civil em Portugal? É fácil arranjar emprego? Há perspectivas de carreira?

SF: Acho que já esteve pior, mas continua muito mau... Não é fácil ter uma primeira oportunidade; normalmente quem a consegue, prossegue e fica com algumas perspectivas de carreira. Mas não é um cenário nada ideal... Talvez as coisas dêem a volta, mas não tenho muita fé que isso seja para breve. A Engenharia Civil é muito abrangente e vejo que muitas vezes é esquecido pela sociedade (em particular pelas entidades empregadoras), que temos muitas valências que estão a ser subaproveitadas! E depois há outro factor: mesmo tendo essa polivalência é importante fazer-se o que se gosta. Eu estou feliz a nível laboral, mas vejo que é muito complicado encontrar oportunidades “ideais”.


HOTM:
Com certeza que muitos colegas teus já emigraram. Emigrar é uma necessidade ou uma opção?

SF: Acho mesmo triste tratar-se de uma necessidade; deveria ser sempre uma opção! Actualmente, se se deseja ter um nível de vida um bocado superior, sendo jovem, talvez seja uma necessidade obrigatória emigrar... Mas mesmo para arranjar estágio (e trabalho!), vejo que colegas de curso têm tido alguma dificuldade; mesmo com medidas “mediadoras” do IEFP... A que ponto as coisas chegaram!


HOTM:
Quando se fala em Engenharia, todos os créditos são dados à FEUP. A Universidade de Aveiro está em franca evolução, contudo. Do que conheces, talvez por discutires com colegas de ambas as faculdades, a FEUP é realmente melhor ou achas que ainda vive muito duma fama criada à volta da UP que se vai desvanecendo?

SF: Inicialmente, (e permite-me a correção?!) creio que os créditos eram todos dados ao Técnico, em Lisboa. Com o decorrer do tempo, o paradigma foi-se alterando, a FEUP foi ganhando notoriedade e mais recentemente, há mais faculdades/universidades marcadas no mapa a nível internacional. Relativamente à Universidade de Aveiro, quase diariamente saem notícias de novas descobertas tecnológicas e científicas; da FEUP não sei, mas sobre a UA continua a haver muitos motivos de orgulho! (Isto é apenas uma pequena picardia, pois assumo que defendas a tua UP).


HOTM:
Sobre a UP haveria muito a falar... Consideras abandonar o xadrez, eventualmente por motivos pessoais ou profissionais ou gostarias de jogar para sempre? Achas que é realista e compatível o equilíbrio xadrez/vida pessoal?

SF: Não sei o futuro, mas sinto que o xadrez já faz parte de mim. Considero que faz parte da minha vida pessoal! Mesmo se eu formar família, quero continuar a jogar. Acho que tudo é possível, basta equilibrar essa balança. Em todos os torneios que vou jogar, o que me costumo lembrar mais são as histórias que acontecem; o convívio, as pessoas; o local; as particularidades do torneio! É isso que levamos connosco, “after all”.

Em Barcelona.


HOTM:
Para acabar, que a entrevista vai longa, conta-nos uma história que recordes com particular emoção sobre a tua vida no xadrez. Essas histórias, como bem sabes, abundam no GDDF...

SF: Talvez possa apenas dizer que num dos primeiros torneios que fui jogar (que felizmente ainda se realiza!) em Cucujães, joguei com o Vitorino. Lembro-me que estava melhor, mas acabei por perder – que é tão comum... (Diz-se que os jogos mais difíceis de vencer, são os jogos onde estamos melhor!). Recordo-me sempre que o Vitorino disse-me que se notou que tive uma quebra de energia, que deveríamos sempre comer algum docinho a meio dos jogos. Não é uma história emocionante, mas foi uma lição para a vida!


HOTM:
Muito obrigado pela entrevista. Se quiseres deixar algum comentário final, está à vontade; no meu blogue não há limites editoriais!

SF: O Xadrez enriqueceu e enriquece a minha vida. Espero que todos tenham hipótese de sentir algo semelhante, por um “hobby”. Que façam amizades (e inimizades, também é preciso ehehe) com pessoas de todo o país e de todos os lados do mundo, que tenham histórias para contar! E, possivelmente, se não fosse o xadrez não nos tínhamos conhecido! :) Espero que te/vos dê tanto gosto a ler a entrevista como eu tive a escrevê-la!

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Cago e mijo e azio e vomito

Quando me dá vontade de cagar
também sou capaz de largar urina,
e tendo tempo faço-o devagar
pois gosto de meditar na latrina,
e fumar, abstrair-me e divagar,
bater uma a pensar numa menina,
limpar, tanto a mim como este lugar,
e reflectir no que a mente ensina...

Merda e mijo, tanto e tão belo,
castanho escuro/ácido amarelo,
o mundo tão podre caiu-me no goto
e só me livro dele... a cagalhoto!

Fico enfartado de tanta hipocrisia,
lágrimas de crocodilo, astúcia, manha,
o ácido sobe e não aguento a azia,
quero vomitar o que o corpo estranha,
meto dois dedos como o povo bem dizia,
na boca aberta que a taxa arreganha,
o vómito surge e o estômago esvazia,
fora de mim quem mal me acompanha!

Azia e vómito, tanto e tão belo,
cinzento, castanho, verde, amarelo,
o mundo tão podre caiu-me no goto
e até o regurgitar renovava o arroto!

Cago e mijo e azio e vomito
e dizem que não é bonito?
Querem que fique comigo
o excremento dito amigo?
Devo fortalecer amizade
com quem de me foder há-de?
A idiossincrasia é o que me resta,
livrar-me de tudo o que não presta!

Pessoas, pessoas e... pessoas,
tanto muitas más como poucas boas:
mentira, farsa, rancor e traição,
os alimentos da minha excreção...





segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Sobre os resultados das eleições legislativas de 2015...

Vou deixar aqui o meu comentário aos resultados das eleições de ontem. O que me apetece é mandar os portugueses à merda, a maioria dos portugueses, como é óbvio, que há sempre boa gente e má gente em todo o lado. Mas não vou mandar os portugueses à merda, vou dar os parabéns por acreditarem que estão no bom caminho. Eu não acredito... Também podia dizer que o povo é medíocre e estúpido, inculto e mal formado mas também me vou escusar de dizer isso porque, no fundo, a culpa disso nem é do povo, é dos políticos que se aproveitam dessa mesma ignorância que lhes é favorável... De igual modo, parecer-me-ia relevante salientar o carácter masoquista do povo, nomeadamente o culto sodómico, mas se o povo tem como um dos últimos prazeres baixar as calças, votar nos mesmos e persignar-se enquanto suporta a dor divina, só lhes posso louvar a fé. E, acima de tudo, o que tenho a dizer é que não tenho qualquer moral para criticar o bom povo português apenas porque sou bastante diferente da maioria deles. Por isso quando criei este blogue chamei-lhe como lhe chamei, já então gostava de estar no cimo da montanha a apreciar a desgraça que grassava no vale... Assim como se poderia chamar "alone in the island", e então imaginar-me-ia numa ilha distante a ver a desgraça no continente. Mas estou cá no meio, voto diferente de vós, maioria, admiro as nossas diferenças e tento ser aquele que se contenta em apreciar o espectáculo do mundo...

Está dito mas ainda posso acrescentar umas reflexões. O PAN elegeu um deputado: óptimo! Foi das minhas poucas alegrias de ontem. É pena só ter sido um, quando há mais 229 lugares que estão ocupados pelos mesmos de sempre. Ainda assim, há dois partidos que por não terem ainda experimentado o poder merecem esta ressalva. De resto, das 16 cruzes possíveis (nem o Totobola tem tantas linhas...), curiosamente só agora reparei na força da palavra cruzes mas avancemos, 11 não merecem ser alternativa às alternativas que o povo pede; curioso... Claro que por exemplo, havia um partido que achava imensamente e particularmente redutor (além da coligação vencedora, entenda-se), o PURP (Partido Unido dos Reformados e Pensionistas). Redutor porque o país é muito mais do que reformados e pensionistas, e na verdade acho que a nação precisa de sangue novo... O PURP teve 0,26% dos votos... Os diferentes movimentos de cidadãos, que acho extremamente louváveis (mesmo o PURP, pois prefiro a acção à apatia), não conseguiram captar os votos que mereciam pois lutavam, logo à partida, com forças desiguais. O povo, que tanto se chora e critica os políticos, nomeadamente os carreiristas, gosta de os eleger quando tem o poder de não o fazer. Aqui do alto da montanha vejo nevoeiro no vale mas um céu limpo à altura dos meus olhos... Os pequenos partidos e movimentos de cidadãos (que não são partidos políticos, felizmente) conseguiram mais de 5% dos votos. O meu conselho é que além dos partidos que têm, doravante, lugar no parlamento, que se forme apenas mais um partido (ou movimento), e que se lhe chame Tudo o Resto! Penso que, apesar da feliz excepção PAN, é o modo de alguém diferente entrar no parlamento pelo sufrágio.

Falando dos de sempre (surgiu-me o adjectivo escumalha mas vou escusar-me a usá-lo), e começando pelos da ressalva, a CDU teve mais um deputado do que da última vez e perdeu, segundo os entendidos, e o BE teve uma estrondosa vitória e passou a terceira força política (depois da coligação e PS). PAN, eles quando lá chegaram nem meia dúzia eram... A coligação perdeu a maioria e venceu as eleições e o PS perdeu as eleições e ganhou deputados. Há sempre muitas maneiras de ver a mesma questão...

Aguardo cenas dos próximos capítulos pois sem uma maioria absoluta talvez seja difícil governar mas com este presidente da república tudo é possível, como se tem visto...

(Um parêntesis para dizer que o Vilhena deixa saudades...)

E por falar em República, foi implantada há 105 anos mas parece que já não é importante esse facto pois, primeiro, deixou de ser feriado e agora o presidente da mesma fez saber que nem a comemorará... Como Republicano que sou, e nesta República onde vivo, aqui no cimo da montanha é feriado e esta é a minha comemoração.


P. S. (post scriptum, para não haver dúvidas): a República apresenta-se com as mamas descobertas e talvez por isso não faltem mamões desde que aqui chegou; se a foto fosse mais recente, veríamos como desgraçada está a República, mais sugada que a puta que os pariu!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

ENTREVISTA - Solange Campos, Baixista das Bellenden Ker (e também dos Subic Bay, 5 Caminhos, e muitos outros projectos)

Solange Campos, é para mim um grande prazer poder contar com esta entrevista no meu blogue. Já nos conhecemos há uns anos, partindo dum mal-entendido, na verdade, quando alguém confundiu Vialonga com Valongo... Vialonga, a 300 Km de Valongo, é uma freguesia do concelho que está agora na moda, Vila Franca de Xira, devido ao surto de Legionella, infelizmente. No entanto, esta entrevista vai debruçar-se no inesperado regresso aos palcos das Bellenden Ker, uma banda que, pessoalmente, admiro bastante. Depois da entrevista ao Daniel, dos Jed Dickens, com quem já partilhaste o palco, continuo a escavar no enorme mundo da música. Seis anos após o nascimento das Belenden Ker, e 15 dias depois da espectacular "ressurreição", aqui ficará o teu testemunho!


HIGH ON THE MOUNTAIN:
Vamos começar com uma questão actual e pertinente: tens tomado banho? [cliquem aqui para perceberem a questão e saber mais sobre o surto de Legionella]

Solange Campos: Ahah! Claro que sim. Disseram várias vezes para evitar o duche por causa da inalação de vapores. Comecei a ter algumas precauções mas nunca deixei de tomar banho, embora essa fosse a minha preocupação principal assim que soube da existência da bactéria no concelho onde moro.


HOTM:
Conheces alguém que tenha sido afectado? Os números começam a ser preocupantes...

SC: Não procurei saber... Recentemente faleceu uma pessoa minha conhecida de uma forma inesperada e ainda hoje estou um bocado sensível no que diz respeito a más notícias...


HOTM:
Mudaste os teus hábitos? Sentes alguma tensão no ar, as pessoas estão preocupadas?

SC: Claro! Está toda a gente com medo e extremamente preocupada. Soube-se recentemente que se vai abrir um inquérito a uma das fábricas que supostamente foi a causadora desta catástrofe ambiental mas ninguém sabe propriamente qual e se a propagação da bactéria está realmente controlada. No fim-de-semana passado, o meu pai, que está a morar em Peniche, tinha vindo a Vialonga visitar-me mas, assim que soube, regressou logo a Peniche. A água continua com muito cloro por precaução... Por isso, tenho bebido água das garrafas. :p


HOTM:
Passando agora para a nossa "doença da música" (com certeza que te lembras do spot publicitário do Blitz, antes da mudança de sexo)... Penso sempre em ti como baixista mas é algo redutor. Que diferentes comprimidos (instrumentos musicais) tocas (tomas)?

SC: Ainda hoje uma menina perguntou-me isso. :P O instrumento que tenho mais tocado tem sido o baixo eléctrico mas o instrumento que aprendi a tocar na escola de música e no conservatório é o clarinete. Acompanho as minhas aulas de Música com a guitarra clássica mas só arranho uns acordes. :) Tentei aprender contrabaixo mas não atino com o arco. :P


HOTM:
Destes, qual o teu favorito?

SC: Baixo eléctrico, claro! :)



HOTM:
Tens sido sempre baixista nas bandas rock (assim como em outros projectos). Nunca pensaste em ir para a guitarra, por exemplo?

SC: Não, nunca. Eu gosto de sons graves e adoro ouvir um bom baixo nas bandas. Para os ouvidos de uma pessoa normal, quando ouve uma banda que não tem baixo sente sempre falta de algo e, facilmente, desmotiva-se da música. Muitas pessoas não imaginam o quão é importante um baixo na banda.


HOTM:
E o quão desvalorizado é... Ainda há dias, inesperadamente (pelo menos para mim), as Bellenden Ker [cliquem aqui para a página do Facebook] regressaram do mundo dos mortos num concerto de Halloween (como escrevi na entrevista anterior). De quem partiu a ideia?

SC: Essa ideia partiu da Marta LeFay [vocalista e guitarrista]. O Zé, namorado da Marta e baixista dos Dollar Lama [Facebook aqui], era (e é) amigo do Sérgio, vocalista dos Dr. Bifes e os Psicopratas [Facebook], e o Sérgio ficou a conhecer a Marta e as Bellenden Ker através dele. O último concerto que as Bellenden Ker deram foi organizado pelo Sérgio com inúmeras bandas, incluindo os Dr. Bifes e os Psicopratas, com uma participação especial das Bellenden Ker numa música deles - "Barco do Aborto" [link para o vídeo no youtube]. Isto foi em 31 de outubro de 2011, nos Nirvana Studios.
No Verão deste ano, a Marta entra em contacto comigo e com a Margarida [guitarrista] para voltarmos a fazer o mesmo este ano. O Sérgio organizou de novo um conjunto de concertos no dia 31 de Outubro (Halloween) deste ano, com a participação das Bellenden Ker em concerto e na música deles (a meio do concerto dos Dr. Bifes e os Psicopratas).



HOTM:
Como foi possível este regresso? A Marta está nas Anarchicks [página do Facebook], e isso retirar-lhe-á tempo para um possível regresso das Bellenden Ker, mas trouxe a Catarina [baterista das Anarchicks] para a bateria...

SC: Foi um reunion show. Não sei se a Marta e a Margarida estão interessadas em continuar com a banda. Desde o dia 31 de Outubro que não tive mais contacto com elas. Como sabes, a Vânia, a baterista original das Bellenden Ker, saiu no final de Fevereiro de 2011 e, desde então, foi sempre um suplício para arranjar uma boa baterista. Como não conseguimos, pedi ao meu amigo e excelente músico André Silva para nos acompanhar. Ele foi espectacular e acompanhou-nos até ao final da banda. Neste momento, como bom músico que é e muito requisitado, não teve disponibilidade para fazer o concerto connosco, e como a Catarina mostrou-se interessada em embarcar nesta aventura avançámos! E foi muito bom. Conheci uma excelente baterista. :) Felizmente, graças às Rockalady [link para o Facebook], já conheço mais bateristas do sexo feminino que são excelentes músicos. :)


HOTM:
Como disseste, geralmente há dificuldade em encontrar bateristas (e também baixistas). Já mudaram de baterista algumas vezes... Foi essencialmente isso que levou a esta paragem da banda, a dificuldade em encontrar baterista?

SC: Na realidade, penso que isso desmotivou muito o pessoal da banda. A Marta era o génio que trazia as ideias e comigo e com a Vânia montávamos músicas num abrir e fechar de olhos. E era tudo tão mágico e funcionávamos tão bem as três. São coisas que nunca se esquecem. A Margarida apareceu mais tarde e chegou a fazer connosco a música espetacular onde fazemos a troca de instrumentos (El Mariachi and Miss Moustache in the Garage), o que trouxe riqueza e alegria às músicas.
No final, estávamos bem com o André mas penso que a Marta desmotivou-se com esta procura de baterista e queria fazer outras coisas a nível musical.


HOTM:
Este evento terá sequência ou as Bellenden Ker acabaram com este concerto?

SC: Não sei... depende da vontade da Marta e da Margarida. Percebi que a Catarina gostava de continuar (e eu também).


HOTM:
Também espero pela vontade delas! Há algum concerto que recordes com particular saudade? Algum que te marcou mais? Com as Bellenden ker ou outro projecto...

SC: Das Bellenden Ker... o primeiro que demos no Bacalhoeiro... foi mágico! :)



HOTM:
Recentemente, as Anarchicks ganharam um prémio em Espanha [aqui a notícia da Blitz]. Achas que as Bellenden Ker tiveram o reconhecimento que mereciam?

SC: Eu sou suspeita mas vou ser muito directa: acho que não. Teve reconhecimento por ti, que foste sempre muito querido para a banda, e por alguns amigos... por mais ninguém. Acho estranho na SAPO aparecer uma notícia sobre as Anarchicks e quando falam da Marta dizem que ela foi a vocalista da banda carismática Bellenden Ker [aqui encontram o artigo em causa]. Se foi carismática, porque é que fomos tão mal tratadas no Musicbox, Santiago Alquimista e afins? Porque é que nenhuma editora pegou na banda?


HOTM:
Perguntas pertinentes, de facto. E obrigado pela parte que me toca. Sempre vos adjectivaram como as L7 Portuguesas, ou como as Babes in Toyland Portuguesas(este até se adequará mais pelo cenário de bonecas que coloria o vosso palco). Já os Blind Zero eram os Pearl Jam Portugueses, por exemplo. Por que temos esta necessidade de catalogar as bandas nacionais como "Banda-americana-de-estilo-semelhante Portugueses"?

SC: Eu penso que temos essa necessidade para localizar um pouco a sonoridade da banda. E não é mentira... as nossas influências vêm praticamente de bandas que se ouvem desde as décadas de 80/90 dos EUA.


HOTM:
As bandas 100% femininas não abundam, é um facto. Porquê?

SC: A ver o lançamento da biografia do Victor Gomes dos Gatos Negros no Sabotage [notícia no Diário de Notícias], conheci a baterista dos Dirty Coal Train [Facebook da banda], a Helena, e ela disse-me que, ao contrário de Portugal, no Brasil existem muitas bandas femininas. Será que é por ser um país pequeno em que muita rapariga prefere cantar em vez de tocar instrumentos musicais? Não sei...


HOTM:
Mais uma boa questão... Vocês tinham alguma mensagem feminista, lutavam pela igualdade de direitos ou simplesmente eram amigas que gostavam de rock e queriam fazer o vosso som?

SC: Nunca definimos nada relativamente a lutas ou a causas. Juntámo-nos e fizemos o que fizemos somente pela música e pelo prazer que nos dá tocá-la. :)


HOTM:
Sentias que, por vezes, a audiência estaria mais interessada em vocês por serem mulheres do que pela vossa música? Tanto pelo lado de "Será que elas conseguem?" ou pelo lado mais "voyeurista", digamos...

SC: Depende das pessoas. Existe um pouco de tudo no público... Uma coisa é certa: nunca quisemos mostrar o "bonito" e "belo", tanto nas músicas como na imagem... Se foram pessoas assistir por sermos "gajas", possivelmente assustaram-se connosco devido à nossa imagem e música! eheh.


HOTM:
Já tocaste em bandas all female e bandas mistas. É muito diferente o ambiente nos ensaios? A dedicação à banda? Ou esta questão nem sequer faz sentido?

SC: De uma forma geral, as bandas, femininas ou mistas, comportam-se da mesma maneira nos ensaios... Só modificará um pouco as piadas (ou não, ahahah... Isto ficará no segredo dos deuses! :P). A dedicação à banda... penso que isso não tenha nada a ver com o sexo mas sim com a própria pessoa.


HOTM:
Já estiveste em diferentes projectos musicais. Queres destacar algum?

SC: Queria destacar 3: primeiro os Subic Bay [Facebook da banda], banda de originais onde toco, que tem um som extremamente agradável e que aconselho a todos a conhecerem a ouvirem. Há músicas disponíveis no Facebook e vamos fazer o lançamento de um EP! :) ; os 5 Caminhos [Facebook aqui], uma banda de Música Portuguesa com uma sonoridade extremamente agradável com guitarras acústicas, flauta transversal e percussões; e as Rockalady, banda feminina que, para além de apresentar versões bem executadas e músicos a alto nível, têm uns originais fantásticos!



HOTM:
Actualmente, em que projectos te desdobras?

SC: Actualmente, nestes 3 que mencionei. :) Tenho um projecto em acústico com a minha amiga Ana Lapa, as Keep it Calm, mas está parado.


HOTM:
Tens algum projecto musical em mente, num futuro próximo?

SC: Continuar com estes. ;)


HOTM:
Que te falta fazer na música? E por que ainda não o fizeste?

SC: Falta compor e saber improvisar no baixo. :P Ainda não me dediquei a essas coisas porque sou preguiçosa. :p


HOTM:
Preguiçosa, com tantos projectos!? E achas que é possível viver da música em Portugal? Sem ser os Xutos, por exemplo...

SC: Fiz uma vez, há alguns anos atrás, essa pergunta ao Jorge Bruto dos Capitão Fantasma [clicar para o Facebook da banda] e ele disse-me que sim, mas que muitos músicos vivem mal... Pessoalmente, conheço quem consiga viver mas não se vive desafogadamente... E, neste momento, também é um mercado muito limitado...



HOTM:
Estamos em crise (dizem...). Geralmente a cultura é quem sofre primeiro com os cortes orçamentais. Por que é que se deve apostar na cultura?

SC: O que é que um povo faz sem cultura? Nada. Penso que Portugal ainda não percebeu a importância que a cultura tem para o povo.


HOTM:
Sem dúvida... Os cortes são transversais a diversos sectores fundamentais da nossa sociedade. És professora de Música. Como vês os cortes na Educação e este periclitante início de ano lectivo? Há alguma relação?

SC: Claro que sim! Quiseram colocar mais tarde os professores por causa dos ordenados! E ninguém me convence do contrário... O problema é que isso deu barraca, e das grandes. Penso que a própria prova de conhecimentos que servia para limitar as candidaturas dos professores foi um fiasco para eles porque 85% dos professores passaram na prova.


HOTM:
Em particular, qual a situação do ensino musical em Portugal?

SC: Está uma desgraça. Em grande parte das escolas de 2.º e 3.º ciclos, só têm Educação Musical no 2.º ciclo (5.º e 6.º anos) e, com o aumento de número de alunos por turma, foram reduzindo também o número de colocações. Eu não estou colocada e estou muito longe de ficar (infelizmente). Para além disso, as "Atividades de Enriquecimento Curricular" em grande parte das escolas primárias trocaram a Música por Expressões. Penso que, de uma forma geral, existe uma grande desvalorização pelo ensino musical em Portugal.


HOTM:
Infelizmente. Tenho conversado com diferentes Professores, de diferentes disciplinas, que declaram uma diminuição na qualidade dos alunos, no seu empenho, nos seus conhecimentos. Apesar da tua carreira estar ainda no início, sentes isto?

SC: Não está bem no início... Já cá cantam com 8 anos de ensino. :) Sim, os alunos são o reflexo da sociedade. Hoje em dia ninguém valoriza um professor. Muitos pais encaram-no como aquele que quer prejudicar o seu filho e depois ouvimos e vemos coisas horríveis. Para além disso, vivemos numa sociedade que impôs o facilitismo em tudo. Confesso que, como professora, continuo a remar contra a maré...


HOTM:
Em particular no ensino da música, há alunos com "bom ouvido"?

SC: Geralmente, em cada turma, existe sempre um ou dois alunos que se destacam por terem "bom ouvido". :)


HOTM:
Os teus alunos sabiam, ou sabem, que és baixista em bandas rock?

SC: Sim, sabem. :) Eu não escondo isso. Alguns até pensam que eu sou uma pessoa famosa! ehehe.


HOTM:
Se não fosses famosa, achas que te entrevistava!? :)
E encararam o facto com naturalidade e não ligaram muito, ficaram admirados ou pediram-te um autógrafo?

SC: Ficam admirados mas eu nunca prolongo muito a conversa por causa da aula. :)



HOTM:
Tenho a certeza que o teu gosto pela música e os diferentes projectos musicais que abraçaste fazem de ti uma docente melhor. Mas achas que a nossa sociedade Portuguesa, ou parte desta, ainda olha de modo desconfiado para os músicos? Para os artistas, no geral?

SC: Sim, é possível... Quando eu conto a alguém, fora do meio musical, que dou concertos, a pessoa pensa logo em drogas e maluquices, embora não costumem comentar mas eu sei. :p O que as pessoas não sabem é que eu posso ser maluca em palco mas, fora do palco, até sou uma pessoa certinha. :p Sobre a sobrevivência, se disseres a alguém que vives de alguma forma de arte, irão logo pensar que és um miserável e que, na realidade, estás a viver dos rendimentos dos teus pais.


HOTM:
Penso que parte desta desconfiança parte do estereótipo de que os músicos são uns bêbados e uns drogados, indo directo ao assunto e como já referiste. Ainda há uns meses, um estudo inglês [link para a notícia] concluía que os músicos têm uma menor esperança média de vida do que a restante população (a par de tantos outros estudos com conclusões semelhantes). Pensas que há uma maior apetência para o consumo de substâncias psicotrópicas pela classe ou, por outro lado, uma vida psicologicamente desgastante, com muitas viagens em pouco tempo e grandes incertezas quando ao rendimento do amanhã têm também uma grande influência?

SC: Eu acho que nesse estudo tiveram mais em conta o facto do músico consumir drogas e álcool. Não te vou mentir... há muita gente que o faz mas também conheço quem não o faça e ninguém te obriga, só fazes porque queres.


HOTM:
Dando exemplos concretos: Zé Leonel (56 anos), Rui Rocker (49 anos), João Ribas (48 anos)... Ultimamente, temos perdido alguns nomes importantes do Rock Português, infelizmente. Alguns deles sei que eram mesmo teus amigos. Independentemente do estilo de vida que levavam, e das causas da morte, o truísmo confirma-se e desapareceram cedo demais... Foram personalidades importantíssimas que influenciaram imensos músicos. Achas que a sociedade reconheceu o seu trabalho e importância?

SC: Não. Definitivamente não. Grandes músicos e importantíssimos na história do rock português e nem sequer tiveram direito, em nenhum noticiário, a uma referência ao seu falecimento... é uma vergonha. O único dos três músicos com quem tive ligação foi com o Zé Leonel [primeiro vocalista dos Xutos e Pontapés]. Ainda ontem eu e o baterista de Subic Bay, o Pedro Rodrigues, estávamos a falar das músicas dos Ex-Votos [página do Facebook]. O Ribas [fundador e vocalista dos "Censurados" e "Tara Perdida", entre outros projectos] apoiava sempre as bandas nacionais. Nos concertos de punk/rock que eu via na Casa de Lafões, a casa costumava estar vazia mas o Ribas marcava sempre a sua presença e essa imagem não me sai da cabeça. Chegou a ver, inclusivé, Bellenden Ker. O Rui Rocker [fundador e guitarrista dos "Crise Total" e guitarrista dos "Asfixia"] não conheci pessoalmente, com muita pena minha... Mas tanto ele como o Zé Leonel ficarão na história da música do rock português por terem dado o último concerto já numa fase bem avançada da doença... dias depois faleceram. Só por isso, mereciam uma grande homenagem em todos os canais. Espero que um dia escrevas um livro sobre o rock português e fales sobre isto tudo. :)

HOTM:
Pretendo escrever tal livro e fazer justiça a essas e outras personalidades esquecidas pela nossa sociedade. Já no Brasil, por exemplo, o Gilberto Gil, cuja fama chegou pela música, chegou a Ministro da Cultura. Como Ministros da Cultura ligados à música, tivemos recentemente a pianista Gabriela Canavilhas, e penso ser caso único. Actualmente, nem Ministério da Cultura há... Achas que alguma vez teremos um músico como Gilberto Gil, mais conhecido pelo grande público e não tão erudito, como Ministro da Cultura em Portugal?

SC: Não prevejo num futuro próximo voltar a existir sequer Ministério da Cultura... teriam de se modificar demasiadas mentalidades. E se voltasse a existir, sei que quem vai para lá não faz aquilo que quer... por isso duvido muito que vá para lá um músico.



HOTM:
Se te dessem a escolher, e se, uma vez lá, pudesses mesmo mudar algo de acordo com as tuas ideias, preferias ser Ministra da Cultura ou Ministra da Educação?

SC: Ministra de Educação. Teria que dar alguma educação às pessoas para começarem a apreciar cultura. ;)


HOTM:
Óptima resposta! Estamos quase a acabar. Não é difícil descortinar algumas bandas que farão parte das tuas preferências musicais. Sei que chegaste mesmo a falar com o Mark Arm, vocalista dos Mudhoney, aquando dum concerto da banda em Portugal... Esta última pergunta é tão ridícula que se torna engraçada, e tu vais entendê-la particularmente bem. Como já perguntei ao Daniel (e ele safou-se bem): o grunge está morto!?

SC: Ahahah! O grunge continuará vivo enquanto houver pessoas a senti-lo. :)


HOTM:
Muito obrigado pela entrevista. Se quiseres deixar algum comentário final, está à vontade; no meu blogue não há limites editoriais!

SC: Queria só agradecer-te por me teres escolhido para uma entrevista com temas tão abrangentes. Fizeste bem o trabalho de casa. ;)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

ENTREVISTA - Daniel Santinhos, líder dos Jed Dickens

Após um longo interregno, as entrevistas voltam ao blogue. Desta vez, fica para a posteridade a contribuição do Daniel Santinhos, frontman da banda rock Jed Dickens [cliquem aqui para a página do Facebook]. Conheci esta banda num concerto que deram no Porto, num 11 de Setembro... A Casa Viva aguentou e eis o que surgiu desta conversa, 5 longos anos depois:


HIGH ON THE MOUNTAIN:
Daniel Santinhos, é para mim um grande prazer poder contar com esta entrevista no meu blogue. Confesso aqui a minha admiração pelo EP dos Jed Dickens que ouvi pela primeira vez em 2009 e desde então tem estado em constante rotação no meu leitor de mp3 [cliquem aqui para ouvir]. A vida dá muitas voltas, creio que os Jed Dickens estão parados, estamos ambos a viver em Aveiro e aqui te faço uma entrevista sobre o teu momento actual e como cá chegaste!

Vamos começar com uma questão fácil. Como nasceram os Jed Dickens?

Daniel Santinhos:
Bem, acho que começou como começam todas as bandas. Estudávamos na mesma escola, éramos amigos e já tínhamos tocado juntos. Na altura tínhamos uma banda em que o João tocava bateria e o Eduardo guitarra. Eu já tinha tido outra banda com o Eduardo a baterista, e a experiência tinha sido boa. Tive umas ideias de músicas, falei com eles e começámos a ensaiar (se não estou em erro 15 de Dezembro, 2007 ou 2008).



HOTM:
Se tivesses dito mais cedo, esperava-se um mês e comemorava-se a efeméride! Mas siga: porquê esse nome?

DS:
Aquela ideia original de juntarmos os nossos nomes como fizeram os RAMP e os DZRT eheheh JED (João, Eduardo, Daniel), Dickens sempre foi um nome que gostei, e veio do escritor Charles Dickens. Lembro-me de ter em criança um livro dele, o "Oliver Twist", daqueles que cheiravam a mofo. Mais tarde fizeram piadas com o DICKens, e era porreiro, falavamos de nós próprios como os jed pilas.


HOTM:
Um clássico, é um dos livro na minha wishlist. Actualmente, que estás a fazer no mundo da música?

DS:
Sinceramente, é raro quando toco guitarra, muito raro. Já tive ideias e tinha algumas coisas gravadas para utilizar, mas nunca passou disso.


HOTM:
Os Jed Dickens acabaram?

DS:
Pode dizer-se que sim.


HOTM:
Ainda há dias, as Bellenden Ker [cliquem aqui que vão ter ao Facebook], com quem vocês já partilharam palco, regressaram do mundo dos mortos num concerto de Halloween. Portanto, seguindo a tendência, quando é que os Jed Dickens vão regressar?

DS:
Era um concerto que gostava de voltar a ver, as Bellenden ker têm um som muito característico e bom. Para o final da banda as coisas não estavam a correr da forma que queríamos e decidimos cancelar os últimos concertos (penso que eram 4 ou 5). Ainda voltámos a ensaiar, falámos em mudar algumas coisas, gravar músicas novas mas acabámos por desistir. Falámos nisso quando estamos numa noite de copos mas tem sido difícil estarmos os três juntos (infelizmente).


HOTM:
Falando doutra banda com quem partilharam palco, os Shivers [cliquem aqui para o Facebook]. Eles têm estado parados, nomeadamente desde que o Arroja foi viver para Londres. É possível conciliar trabalho e a vida duma banda? Chega a uma altura que a vida nos manda "cada um para o seu lado"? Estamos condenados a ter bandas rock apenas na nossa adolescência e, talvez, vida académica?

DS:
É aquela altura que cada um começa a ir para seu lado e isso acontece de uma forma muito natural. No caso dos Shivers, claro que para o Arroja vir a Portugal dar um concerto implicaria no mínimo ter a viagem paga; nem sempre acontece. São mais as vezes que perdemos dinheiro do que ganhamos.


HOTM:
É verdadeiramente algo que fazemos por gosto porque se perde dinheiro, inevitavelmente. Há algum concerto que recordes com particular saudade? Algum que te marcou mais?

DS:
Lembro-me bem dos maus eheheh. Talvez no Chá das Eiras no Porto, no festival 1.77 (Elvas), black n whitte fest (Vila Viçosa) e nos Celeiros, em Évora; foram grandes noites.


HOTM:
Dizem que o baterista é o membro da banda com mais sucesso entre o público feminino. Achas que isto se confirma, em particular sendo o vosso baterista modelo?

DS:
Ahahah sem dúvida, um grande sedutor! :) Mas isso deve ser o público feminino a falar e não eu... ahaha


HOTM:
Bem respondido! Groupies, podem comentar esta entrevista, ficamos à espera! ehehe
Continuando: João Canhão, nome de guerra, poderoso, Daniel Santinhos, nome mais angelical mas basta ouvir os teus berros para o povo ficar em sentido, e depois um baterista que é modelo?! Que banda rock é esta? Ou estamos perante preconceito?

DS:
Nunca tinha pensado nisso, fomos 3 amigos que tocávamos aquilo de que gostávamos. Nunca trabalhávamos bem a imagem mas não sei como é que eles se sentiam em relação a isso.


HOTM:
Por falar em preconceiro, a vossa música tem alguma mensagem em especial? Política, anti-preconceito ou outra? Ou simplesmente queriam fazer a vossa música sem pensar muito nas letras?

DS:
Queríamos fazer a nossa música. Nunca tínhamos um tema, as coisas surgiam nos ensaios e quando estávamos juntos "Olha, podíamos fazer uma música sobre isto!" - e ia acontecendo. A "Another Ride" [cliquem aqui para ouvir a música], parte da letra fala de um amigo nosso que adormeceu à porta de casa com a chave na fechadura. O pai ao sair de casa de manhã para ir trabalhar deu com ele a dormir de joelhos: épico!!


HOTM:
Eu diria que não há melhor inspiração do que a nossa própria vida! O que vinha primeiro, a letra ou a música?

DS:
A música. E admito que demos concertos com letras inventadas na hora. Aliás, nunca demos um concerto completo que tivesse todas as letras! Ahahahah. Eu sei que era mau, mas tínhamos músicas novas que queríamos mostrar, e ninguém 'tava para ouvir as letras, sinceramente, eu detestava cantar... Depois disso, quando começámos a gravar as músicas, já eram feitas as letras, com mais calma e com mais sentido. Gostei de fazer a "Seven Sins" [cliquem aqui para ouvir] com o João. Outros temas como a "Poor Jimmy" [esta música tem vídeo; cliquem aqui para ver e ouvir] e "Another Ride" foram escritas pelo Lupa.



HOTM:
Esta pergunta impõe-se: o grunge está morto? (eheheh)

DS:
Isso é porque nos estás a rotular com música grunge! Eheheh. Eu acho que isso não é importante, grunge foi uma época, um estilo, quando isso aconteceu eu era uma criança. Tenta-se sempre recriar ou imitar os ídolos, às vezes de forma involuntária. É onde toda a gente vai buscar inspiração. Com a experiência e maturidade as coisas ganham outra forma.


HOTM:
Sim, tudo muda. Como por exemplo, onde passamos o nosso tempo. És do Alentejo, estudaste em Tomar, vives em Aveiro e quando podes vais ao Hard Club, na Invicta. A vida tem-te puxado para Norte. Notas essa mudança? Há um sentir, uma maneira de estar diferente das pessoas em diferentes latitudes? Na música ou no quotidiano...

DS:
Foi um bocado por oportunidades de trabalho, e acabei por gostar. Sempre que posso vou ao Porto, nem que seja para passear. Gosto do Norte, apenas gostava de estar mais perto da minha família e dos meus amigos em Elvas. Já fiz alguns amigos, começo a sentir-me em casa.


HOTM:
Do que gostas mais em Aveiro?

DS:
Estar perto da praia, estar perto do Porto. Tem movimento, tem zonas calmas, bons restaurantes, bares, cinema, e concertos. E a cidade é bonita, atrai muitos turistas. Em Elvas é o que me faz falta, mais vida nocturna no centro da cidade, mais concertos com bandas que tocam originais e que se pague a entrada, porque ninguém quer dar um tostão, e especialmente cinema, que os filmes lá chegam de carroça.


HOTM:
Além da Casa Pina [ehehe cliquem aqui], que outros sítios é que o pessoal mais ligado às bandas rock (ou outras, vá) deve conhecer em Aveiro?

DS:
Mercado Negro é um espaço muito bom [Facebook aqui]. Não tem muita confusão, a musica é boa, costuma ter concertos e agora até tem uma livraria, o "Elefante Balão" [cliquem aqui para ir ter ao Facebook]: aconselho.


HOTM:
E eu também aconselho, local obrigatório para quem tiver preocupações artísticas. Tu que és artista, literalmente, na área do design, se estou correcto, que achas do estado da arte em Portugal? Há emprego? Há condições? Um designer é reconhecido pelo que faz?

DS:
Ainda sou muito novo nisto no mundo do trabalho. A pouco e pouco aprendo com o que vejo, com o que oiço e com os erros. Há condições que pouca gente as dá. Por vezes é ingrato, e é preciso ter uma paciência do caralho!


HOTM:
Qual o teu trabalho mais famoso?

DS:
De famoso não tenho nada, mas dos dois trabalhos que gostei mais de fazer e que tive um bom feedback foi com uma exposição fictícia que fiz no mestrado, o tema era sobre rockabilly. E o plusplus.collective que desenvolvi a imagem gráfica e criei o conceito. Ainda é um projeto que me dá prazer fazer.


HOTM:
Quais os teus objectivos profissionais?

DS:
Ter prazer no meu trabalho, e uma boa equipa para trabalhar; tenho muita coisa para aprender.



HOTM:
Ter passado por bandas rock ajudou-te no teu percurso académico e profissional?

DS:
Ajudou em tudo. Com os concertos conheci novas pessoas, cidades ou aldeias, experiências, e isso ajudou-me muito.


HOTM:
Por que é que ainda há muita gente a olhar de lado quando dizemos a alguém que estivemos numa banda rock? Eu sinto isso, pelo menos...

DS:
Eu também olho de lado para isso do rock, acho que kizomba é muito melhor! :)


HOTM:
Ahahah! Muito bem! Para acabar, que a entrevista vai longa, conta-nos uma história dos Jed Dickens, algo que recordes como um bom momento. Essas histórias abundam no universo musical underground (chamemos-lhe assim! ehehe).

DS:
São tantas, e em tão pouco tempo... Não consigo escolher uma mas só de pensar algumas coisas não paro de rir!


HOTM:
Muito obrigado pela entrevista. Se quiseres deixar algum comentário final, está à vontade; no meu blogue não há limites editoriais!

DS:
Obrigado eu, lembrei-me de muita coisa boa. Sorte para o Eduardo e o João que têm bandas no activo! (:

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A vontade de deus

Por vezes não sei o que digo
e cobra-me a vida o seu custo,
magoei o meu melhor amigo
mas reconheço que fui injusto.

Ele não deixa que eu me esqueça
que mereço ser penitenciado,
trago esta cicatriz na cabeça:
fui mau mas fui castigado...


Pois foi esta a vontade de deus,
e eu que nem nele acredito
carrego a cruz até ao infinito...


Tenho o veneno debaixo de tecto
e não me livro deste parasita,
só queria que fosse correcto
este fora de tempo que me irrita.

Não deixas que de nós o afaste:
deus, anda cá baixo ver isto!
Este nosso mundo que acabaste
e me dá chagas como a cristo!


Se foi esta a vontade de deus,
e eu que nem nele acredito,
quero esta cruz até ao infinito?!

(28-9-2011)

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Sento-me e relaxado abro o jornal

Sento-me e relaxado abro o jornal
com a mesma satisfação de outrora,
só que os tempos mudaram e agora
qualquer jornalista escreve tão mal!

O pior de tudo é que é natural
o erro ortográfico que decora
um artigo que li há uma hora,
postado há anos na rede social!

Do vasto silêncio nasce o fragor,
irritação por falta de rigor:
"O entrevistado respondeu isto?!"!

Acalmo-me e rio: isto é humor!
Reajo a frio: será rumor?
Fecho o jornal: é tão mau que desisto!

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Poema ao amor perfeito

Dedico este poema ao amor perfeito,
não a flor, claro, mas o indescritível
existir que aqui farei inteligível,
tal a simplicidade com que o aceito.

Como havera prometido, dito e feito,
creio que mais claro seria impossível:
ser algo tão simples e apetecível
como encostares a cabeça no meu peito.

Sonhos a dois, que ao destino se promete,
expressões verbais que o silêncio repete
pois os olhos declamam com um sorriso!

Saudades até ao esperado abraço,
minutos as horas que contigo passo:
nada é perfeito mas que mais é preciso?!





quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Sanidade purificação e chama...

Nas paredes brancas deste quarto arejado
vejo o filme da nossa vida projectado:
para quê pensar no que poderia ter sido
se agora é hora de tomar um comprimido
que nos faz esquecer que podemos pensar?
Durmo acordado e sonho para não me cansar
para não ter de mover mais montanhas;
os ratos que pariram nas suas entranhas
são amigos da noite com quem converso
e que respondem animados sempre em verso
e tenho a certeza, sempre que estou contigo,
que não sei as palavras certas do que digo,
e mesmo assim tento apreender o significado
de estar tão certo quando estou enganado
e se isto a quem lê não faz qualquer sentido
estamos no sítio certo pois aqui é permitido
sermos malucos à vontade sem mais questões!
Olha para aqueles que contam os tostões,
todos os dias do mês, que sentido isso faz?
Olha as árvores lá fora calmas, olha que paz,
como é que não me lembrei antes deste lugar?
O tempo é outro e acho que passa devagar
pois ainda me lembro duma outra vida lá fora.
Quem a quer viver quando vejo com nitidez
que o meu único problema é reter alguma lucidez?
Quero, por fim, e sem reservas, ensandecer,
é o passo em frente quando já quis desaparecer,
e é o movimento certo quando não há resposta
à questão de por que é que de alguém se gosta.
Esta questão que de coração que é tão profícua,
assim como ela para mim é a pessoa mais conspícua
tem de haver, ainda que não queira, uma guerra!
Pois que a mente sim mas o amor nunca erra,
a irracionalidade é um elevador que só sobe,
deitamos fogo às camas e dançamos à luz do strobe
e ao som das sirenes, preocupado e agudo,
agora daqui não saímos porque aqui temos tudo
e sinto o cheiro forte a porco assado
e é tão bom tudo o que temos passado
e é tão forte a dor que nem sequer sentimos
neste fogo em que nos extinguimos
para sempre...




terça-feira, 12 de novembro de 2013

E do conforto da vetusta idade

E do conforto da vetusta idade,
de quem viveu e viu já quase tudo,
o grave conselho soou agudo
àquele que ouve em ansiedade.

Detentor da experiente verdade,
embora quedando, por opção, mudo,
fitou ternamente o jovem rombudo
que criticou por sincera amizade:

"Dá-lhe tempo...", disse com paciência
mas o jovem na sua impaciência
queria resolver os seus problemas!

Completou "Dá-lhe tempo e nada temas..."
mas quem ouve bem insistiu ser mouco:
a pressa ceifou-o jovem e louco...

Pois é...

- Sabes aquele momento em que... Como dizer?
Aquele momento em que sentes que...
Aquilo que não consigo explicar, percebes?
Como dizer? Não sei mesmo, não por palavras...

- Sei.

- Pronto, e nesse momento... Como dizer?
Quando sentes aquilo que...
Aquilo que não consigo explicar, percebes?
Como dizer? Não sei mesmo, não por palavras...

- Sim, também sei...

- Ainda bem porque após senti-lo fico como...
Como dizer? Eu sei o que é mas não sei como dizer...

- Sim...

- Exacto, é isso que te quero dizer!

- O quê?

- Não sei...

- Nem eu...

- Não digas...

- Não digo...

- É só isso que tens para me dizer?

- Mas eu não disse nada!

- Pois...

FIM

Mas? E se? O quê? Esquece...

Pi, pi, pi, pi, pi, pi, pi, ...
Está escuro!
Está...
Está mesmo!
Está!
Está...
Não sei se está mesmo!
Mas está!
Está...
...
Nada a dizer...
Nada...
Nada a fazer...
Nada...
Será?
É.
Sim?
Não sei...
Talvez...
Sim, talvez.
Ou não?
Não, talvez.
Mas...
Mas?
E se?
O quê?
Esquece...
...

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Não sei, ninguém sabe mas acredito

Não sei, ninguém sabe mas acredito
no destino, maldito, que me calha;
se este meu cego crer um dia falha
vou odiar tudo o que tenho escrito!

Ou feio miséria ou paixão bonito:
quem sabe, se não há deus que me valha?
Somente ouço a terna voz que me ralha
pois confio em tudo o que me tem dito!

O que é diferente é que não me aborrece
a presença de quem mais me parece
equilibrar os pratos da balança!

Amor, assim sou uma marioneta
mas aceito o que o destino acarreta
pois és a minha única esperança!

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Kairos

Tempo, dando tempo ao tempo,
tento ter tempo para o resto,
presto-me ao que me atempo,
atento ao tempo que empresto,
ultrapassando cada contratempo,
ao que penso que ainda presta,
ainda que isso venha a destempo
como a paciência que me resta...
Que festa, esta, que de mim se alimenta,
tenta, esquece o tempo passado,
fado, forte e feito de tormenta,
aguenta, o futuro é tão desejado
dado o momento que a gente enfrenta,
a mudança de paradigma e sentimento,
tento, e até consigo, enquanto aguenta
a chama que vive para o teu vento...
Vendo, de olhos fechados sem ser cego,
pego na esperança que o vento agita,
grita o grito de revolta a que me apego,
nego a paz que num certo tempo habita,
acredito nas competências que te delego
e logo é tempo de rever a participação,
são vicissitudes que levo quando me relego,
junto ao ego a tempo da minha realização...


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Não sei.

Não sei que mais te diga,
talvez nem diga tudo o que consiga...
Não sei se é loucura ou fadiga
ou uma simples dor de barriga...
Não sei e não sei se posso saber
se é algo possível de perceber...

Não sei se devo acreditar
ou se me deva irritar
pois nem sempre se acredita
na pessoa que mais irrita
e nem se houve uma mensagem
que foi lida durante a viagem...

Não sei mas tento adivinhar
se amanhã vamos definhar,
pode ser um sinal de fome
mesmo quando à mesa se come,
a tensão baixa sem comprimidos
e logo se perdem os sentidos:
o sentido do equilíbrio correcto,
o sentido do ser circunspecto,
o sentido da precoce imaginação
e o sentido da nossa realização.

Não sei mas se soubesse dizia
o que por vezes nos causa a azia;
será o marisco estragado?,
será o líquido estagnado
ou será simplesmente a solução
que tomamos para a constipação
que nos assola neste momento
em que começa a soprar o vento?

Até sei mas finjo que não sei
pois fico-me pelo que já pensei,
e sinto que posso estar certo
mas se penso é tudo tão incerto
que a certeza é um mito urbano
e só estou certo que me engano...

Digo que não sei mas e se souber?
Esconder-me-ei onde couber?
Se sei não sei como o posso expressar
quando nem sei o que se está a passar!
Passado um pouco de novo desconheço
as razões para tudo ter um preço,
as razões para ser tão elevado;
haverá um momento desenganado
em que os saldos desçam à cidade
e comprarei montes de verdade
para saber tudo aquilo que quero
e para saber se fui mesmo sincero.

Não sei e se soubesse saber não queria
pois a verdade consegue ser tão fria
que às vezes só apetece pode-la aquecer
com um abraço que só pode desaparecer
quando o sol brilha de novo no horizonte.
E se se desfaz já nos encontramos defronte
da fonte de todos os nossos anseios,
olhos penetrantes de humores cheios,
inquietos e fugidios como a paciência
que é preciso para se fazer a ciência
e que devia ser facilmente controlável
mas que é tão volátil e instável...

Não sei se não devia ter já parado,
afinal já passou um bom bocado,
e as horas passam de outra maneira
quando a conversa não é passageira,
quando a viagem não conhece destino,
quando a fé contacta com o peregrino
e o milagre surge e não se acredita
pois a visão é demasiado bonita
para poder ser uma realidade!
Diz-me, por favor, o que é a verdade?
Diz-me pois eu nunca sei e não saberei
as palavras que não mais encontrarei
para completar os poemas inacabados!
E então para mal dos meus pecados
não posso completar as velhas obras
à espera desses sinos que dobras
e ouço o vagaroso bater das horas
e atento pois sei como te demoras
e agora mergulho num silêncio profundo
e vou observar os males do Mundo.

Não sei se era bem isto,
não sei se já foi visto
ou se era suposto
mas relembro um rosto
que também não sabe
onde quer que este poema acabe...
Não sei...
Não sabes...
Quem sabe?

Não sei...

Ao sabor duma época nutricionalmente desequilibrada.

Sabes que uma vez fiz sonhos para uma
e como essa vez não há mais nenhuma,
posso fazer mais, e com frequência,
que sonhos passados são de outra essência.

Se a receita não pode ser repetida
como queres doçuras nesta vida?
Se corre bem e nunca mais se repete
como executar o doce que se promete?

Um dia vais sentir a volatilidade
e vais sucumbir à vulnerabilidade
da época dos frescos ingredientes
e vais perceber por que o sentes.

Nesse dia vai ser possível acreditar
que um dia vai haver bem-estar
e se calhar tudo o resto fará sentido
quando pensares no que podia ter sido.

É simples demais para nele ter reparado,
um mimo também é doce ao ser recordado,
até as saudades são formas de nutrição
quando as sentes e sabes por que o são.